
Cada vez é mais difícil entendê-los. Cada vez é mais difícil acreditar no que eles estão dizendo. Cada vez é mais arriscado supor que estamos bem informados sobre os consumidores. Cada vez é mais perigoso imaginar que a conexão entre eles e as marcas é algo transparente e simples de enxergar.
Quer dizer, tem ficado cada vez mais complicado o acesso aos corredores da mente dos consumidores. Em primeiro lugar, eles estão cada vez mais informados e dialogam com fluência sobre mídia e comunicação em geral. Há pouco tempo, ouvimos de um rapaz, numa discussão em grupo, algo mais ou menos assim: “Gostei muito desse filme, parece coisa da DPZ”. Em segundo lugar, estão cada vez mais treinados como compradores.
Por mais que novas técnicas de investigação proliferem, o tamanho do desafio cresceu muito. Tenho a impressão de que eles se “profissionalizaram” muito mais depressa como consumidores do que todos nós juntos como “cientistas da sua alma”.
O consumidor diz o que pensa e faz o que sente! Como o que nos interessa, de fato, para alimentar os caminhos do marketing, é o que ele sente, são os espaços escuros, úmidos e pequenos, em algum canto da sua mente e do seu coração, que devemos acessar.
Tudo isto me conduz ao seguinte: é preciso ser um “voyeur”, espiar, observar, conviver, ouvir. Na maior parte das vezes, o papel e a importância que as marcas têm na vida das pessoas não se revela apenas por meio de lindas histórias que elas nos contam. Revela-se por aquilo que elas não nos disseram!
Não pensem que o consumidor é mais mentiroso do que nós mesmos. Acontece que as patrulhas sociais e morais bloqueiam as confissões bem guardadas nos porões da alma, deles e de todos nós.
“Nem pense em entrar na minha carteira, se antes você não entrar na minha vida”, sussurram os consumidores para quem conseguir ouvi-los.
Ser um “voyeur” é uma profissão, não um desvio de caráter. Gostar de abrir o armarinho do banheiro nas casas dos outros não é uma precoce manifestação de cleptomania apenas. é observar aquilo que, muitas vezes, o dono da casa não iria confessar.
Quem não tem algum teor de voyeurismo social pode se dar bem em muitas profissões. Em marketing e comunicação é mais difícil.
Uma boa parte do vazio estratégico de projetos de comunicação no mercado deriva da Síndrome da Faria Lima. O que é isto? é aquilo para o qual Louis Gerstner (ex-Presidente da IBM) nos alertava: “A desk is a dangerous place from which to watch the world”.
A Síndrome da Faria Lima, que também pode ser da Vila Olímpia, com seus escritórios e agências, se combate com uma manhã de sábado no Shopping Aricanduva, ou um domingo no Hopi Hari, ou visitando casas de consumidores, etc. Eu aprendi muito mais nestas experiências do que em algumas dezenas de discussões em grupo.
Nem sempre estes atos de voyeurismo são possíveis, porque agenda e restrições pessoais os impedem. E é por isto que a Antropologia tem invadido o marketing.
Nós somente seremos capazes de entender como as marcas atuam na vida das pessoas e criam conexões com elas acompanhando, ouvindo, observando e partilhando momentos de consumo destas pessoas. é isto que alimenta de verdade a produtividade em comunicação e marketing.
A invasão da Antropologia e dos seus batalhões de etnógrafos é efervescente nos USA. O país que inventou o marketing está re-inventando a forma de entrar na mente e no coração dos consumidores. O que era antigo, coisa de três séculos, está se transformando em state-of-the-art.
O filósofo Montaigne descreve, no século XVI, a reação de alguns índios Tupinambás que foram levados à França. Eles ficaram estupefatos com duas coisas: como havia tanta diferença social entre as pessoas e como estas obedeciam a uma criança, no caso, o Rei.
Estamos diante do mesmo desafio. Tentar entender o outro, o consumidor, na sua alteridade. Compreender porque uns consomem, quase ao mesmo tempo, Coca Light antes do quindim. Porque outros põem um amaciante talibã dentro de um frasco de Comfort – relato que acabei de ouvir de um executivo da Unilever. E aqueles que desfilam satisfeitos com uma bolsa Louis Vitton pirata.
As técnicas etnográficas estão entre nós como uma potente ferramenta de marketing e comunicação. Quem não quiser ou não puder conviver com o Shopping Aricanduva, com o Hopi Hari, com estádios de futebol, com buffets infantis etc, já sabe que remédio tomar para neutralizar a Síndrome da Faria Lima.